Em meio à crise vivenciada na saúde, o secretário-geral da Sociedade Brasileira de Medicina Hospitalar (SOBRAMH), o cardiologista Claudio Nunes, faz uma análise sobre como o Brasil pode ser considerado heterogêneo diante da pandemia. Segundo ele, além das diferenças geográficas, as realidades de cada região e estados fica mais marcante. Ele também ressalta que o novo coronavírus e o aumento exponencial da demanda por leitos e atendimento deixa ainda mais exposta a fragilidade do sistema em gerenciar os imprevistos
Confira!
“Brasil pode ser considerado heterogêneo diante da pandemia”
Dr. Cláudio M. S. Nunes*
A realidade de regiões fora do eixo central do país abre a oportunidade de levantarmos diversas hipóteses sobre o previsto impacto exponencial das populações, nesse período de pandemia assolando o mundo. Analisar o Brasil, no contexto mundial, começando por suas dimensões de superfície territorial, já chama muito a atenção. Como exemplo, a área do Brasil corresponde a oitenta Itálias. Imaginem o impacto dessa dimensão se houvesse correspondência em número de casos? Como comparar climas completamente diversos, nesse país imenso, e quais os impactos na transmissão da COVID-19?
Da mesma forma, como comparar as unidades da federação brasileira, com tanta assimetria territorial e populacional, em seus aspectos étnicos, epigenéticos, condições de moradia, saneamento, mobilidade social, renda, níveis educacionais e oferta de serviços básicos de saúde com adequadas estruturas de atendimento secundário e terciários no ecossistema de saúde populacional?
Testes
Outra questão nacional preocupante é a capacidade de realizar os testes diagnósticos e disponibilizá-los rapidamente. Qual a assimetria, em termos de capacidade e resolutividade diagnóstica, neste continente chamado Brasil? Quais os níveis de subnotificações de cada estado? Qual a real letalidade? E a letalidade global na hipótese de todos os diagnósticos laboratoriais? Sendo assim, o Brasil pode ser considerado heterogêneo diante da pandemia em curso em muitos aspectos.
Idosos
A realidade brasileira, em aspectos macroestruturais, é frágil. Tão frágil quanto a população idosa portadora de muitas comorbidades. Em especial, acima dos setenta ou oitenta anos, quando, em geral, apresentam de seis a oito dessas, gerando a explosiva demanda de casos com necessidades de suporte intensivo nos hospitais e com a mortalidade mais alta.
Desigualdade
Outra fragilidade é a subnotificação e baixa capacidade e velocidade diagnóstica. Passa, concomitantemente, por dificuldades imensas provocadas por uma cultura incipiente e ínfima de trabalhar com gerenciamento de riscos, como nesta pandemia. A distância entre o conhecimento desenvolvido nas elites universitárias e o povo cria um caldo de cultura que se torna patente quando se constata o despreparo para rupturas da homeostase social, como a que estamos vivendo.
Diante do verdadeiro tsunami vivido, ficou exposta a extrema fragilidade do sistema de saúde para lidar com o “inesperado”
O povo mantido ao longo de sua história, com níveis elevados e injustos de anafalbetismo funcional, desigualdade social, preconceitos amplamente conhecidos e pouco admitidos, poucos aparatos sociais que poderiam dar dignidade humana mínima e mitigando o enorme sofrimento diante dessa crise sanitária ímpar.
Equipamentos
Quanto aos equipamentos, todos que trabalham na saúde sabem da insuficiência estrutural eterna. Os critérios que fundamentam a necessidade de leitos intensivos em relação à população brasileira são anacrônicos com ou sem pandemias. Diante do verdadeiro tsunami vivido, ficou exposta a extrema fragilidade, verdadeira ferida infectada do sistema de saúde para lidar com o “inesperado”.
Comparação
Se comparado a fraturas expostas em ossos longos nos membros inferiores, esta situação em curso teria correspondência em osteomielites crônicas provenientes de agentes infecciosos multirresistentes e tardiamente atendidos. Aliás, esse exemplo não é estranho para as equipes que trabalham em centros de trauma, quando pacientes ficam com dificuldades de acesso ao atendimento. Mas, diante da ruptura provocada pela pandemia, saltou aos olhos e à mente nossa enorme fragilidade em saúde.
Controle
Se a demanda for controlada com as medidas de deslocamento e isolamento sociais, que tem se mantido dentro de níveis elevados de adesão popular às recomendações do Ministério da Saúde, na cidade de Belém e região metropolitana, a curva exponencial poderá ser menor, apesar de aparentemente inevitável. O Estado do Pará, por meio de uma ação incisiva do Governo, tem lutado muito para que a população aumente sua participação, sabedor do risco que correrá com a insuficiência de pessoal, equipamentos, hospitais para níveis secundário e especialmente terciário da atenção aos pacientes mais críticos. Uma epidemia como essa gerará muita informação para mudanças estratégicas em tempo real diante de crises. Mas, conforme o tempo verbal, isto se consumará em eficácia, eficiência e efetividade somente no futuro.
O que se observa, na prática, é uma falta de gerenciamento de riscos e catástrofes
Se a demanda for ao contrário, ampliada dentro da tendência semelhante a São Paulo, por exemplo, o caos não mais será hipótese e as consequências imprevisíveis. O que se observa, na prática, é uma falta de gerenciamento de riscos e catástrofes, fortalecendo a impressão de que a sociedade precisará acumular informação depois de tantos ensinamentos advindos desta ruptura da “normalidade”. Esta situação configura planejamento com foco no passado, sendo fonte insofismável de custos de oportunidade. Ou seja, aqueles que não existiriam se a tomada de decisão fosse uma outra, no tempo adequado.
Fragilidade
A conclusão facilmente prevista é de falta de suporte adequado, de profissionais capacitados e envolvidos para enfrentar esta guerra viral e bacteriológica. A impressão inicial que se observa é que a realidade escancarou a fragilidade e desigualdade dos sistemas de saúde brasileiros.