Conselheiro da SOBRAMH na Argentina fala sobre a atuação do hospitalista e a situação da Covid-19 no país
Por Viviane Dreher/Imprensa SOBRAMH
*atualizada em 02/06/2020
Diante da pandemia do novo coranavírus e a crise mundial no sistema de saúde, o conselheiro internacional da Sociedade Brasileira de Medicina Hospitalar (SOBRAMH), o argentino Mariano de La Serna, faz uma análise da atuação do médico hospitalista no atual momento. Para ele, trata-se de “um papel insubstituível que podemos e devemos cumprir”. De acordo com Mariano é o momento de se colocar em prática todo o conhecimento do hospitalista em gestão de pacientes complexos, multipatológicos e propensos a adquirir ou que adquiriram coronavírus. “Temos formação em gestão clínica, tão necessária no momento em que é preciso adaptar suprimentos, equipamentos e pessoal”, reforça.
Lockdown
Mariano atua no Hospital Italiano La Plata, em Buenos Aires, capital da Argentina. O país vizinho adotou a quarentena mais severa, o chamado lockdown, desde o dia 20 de março, com término previsto para o dia 7 de junho. Até mesmo um número de telefone foi criado para denunciar quem não cumpre a medida. Segundo Mariano, a decisão em adotar o lockdown pode ter contribuído para que o sistema de saúde tenha ganhado fôlego. Na América Latina, o país ocupa uma posição de destaque no enfrentamento ao vírus. “Poder ganhar tempo desde o surgimento dos primeiros casos permitiu adaptar a infraestrutura do sistema de saúde para enfrentar o provável aumento da demanda”, destaca o hospitalista, vice-presidente do Conselho de Medicina Hospitalar da Sociedade Argentina de Medicina (SAM).
Confira a entrevista concedida à SOBRAMH!
SOBRAMH – Como tem sido o enfrentamento à pandemia na Argentina?
Mariano de La Serna – Na Argentina há a confirmação de, aproximadamente, 17.415 casos, 559 óbitos e 272 pessoas em tratamento intensivo (dados divulgados em 02/06). No início da pandemia, haviam poucos locais elegíveis para processar amostras de coletas e apenas os pacientes sintomáticos foram avaliados, sem testes em massa. Hoje, vários centros de teste já estão habilitados. No entanto, os números de pacientes leves, graves e falecidos correspondem às estatísticas globais, de modo que os números atuais parecem ser confiáveis.
S – Qual foi o impacto no sistema de saúde?
MS – Poder ganhar tempo desde o surgimento dos primeiros casos permitiu adaptar a infraestrutura do sistema de saúde para enfrentar o provável aumento deles. Dos pacientes em leitos de UTI, 88% estão internados em clínicas, sanatórios ou hospitais da região metropolitana de Buenos Aires (AMBA). Os 12% restantes, no interior do país. O problema mais grave, atualmente, reside nos bairros populares em que a taxa de contágio e novos casos positivos crescem diariamente. Certamente relacionadas às condições de superlotação e à falta de medidas básicas de higiene por não ter serviços públicos adequados (água potável, remoção de excreta, etc.). Antes da pandemia, a distribuição dos leitos de UTI era de 2.419 e no setor público e 6.102 no setor privado. Nesta semana, das 11.405, 4.375 são do setor público e 7.030 do setor privado. Ou seja, leitos em hospitais públicos de todo o país passaram de 28% para 38% do total, desde que a Argentina ficou em quarentena, por cerca de 74 dias, até o momento O achatamento da curva de contágio e a demora no tempo de duplicação que poderia ser alcançado nos deu tempo para adaptar o sistema de saúde e equipá-lo com as exigências que virão.
Poder ganhar tempo desde o surgimento dos primeiros casos permitiu adaptar a infraestrutura do sistema de saúde para enfrentar o provável aumento da demanda
SOBRAMH – No hospital em que trabalhas, quais as medidas que foram tomadas para atender o aumento da demanda de pacientes?
MS – O Hospital Italiano La Plata se preparava desde antes do surgimento dos primeiros casos na Argentina, antecipando a alta demanda potencial. Isso se deu por meio da criação de um comitê de crise multidisciplinar e interdisciplinar para gerar gestão por processos de crise, criação de protocolos, equipamentos e suprimentos médicos e adequação de espaços físicos, Bem como a suspensão temporária de procedimentos não urgentes e atendimento ambulatorial não urgente. Foram adaptados o atendimento e os espaços físicos, como por exemplo a capela dentro das instalações hospitalares, que sofreu uma adequação para poder atender os pacientes da triagem. Também houveram alterações nos setores de Terapia Intensiva e Hospital Geral, para auxiliar pacientes em condições de isolamento respiratório. Os profissionais de saúde foram treinados em diferentes oportunidades, o que é dinâmico tanto quanto o surgimento de novas informações diárias. Além disso, foi firmado um acordo com um hotel próximo para onde são encaminhados pacientes que não são graves para cumprir a quarentena necessária, durante a duração de sua doença.
SOBRAMH – Como o hospitalista pode fazer a diferença em meio a essa crise?
MS – Acredito que a Medicina Hospitalar e o médico hospitalista têm um papel fundamental e insubstituível nessa situação. Isso porque estamos acostumados a gerenciar a patologia do paciente internado. Também temos formação em gestão clínica, tão necessária no momento em que é preciso adaptar suprimentos, equipamentos e pessoal, orientando o resto da equipe de saúde, que muda com a adequação dos setores. Portanto é um papel insubstituível que podemos e devemos cumprir, neste momento, nas diferentes instituições de saúde. Colocando em prática todo o conhecimento que o hospitalista tem na gestão de pacientes complexos, multipatológicos e propensos a adquirir ou que adquiriram coronavírus. Além disso, também podemos desempenhar um papel na gestão de pacientes mais engajados, ajudando e participando das decisões dos intensivistas.