Artigo no NEJM relata experiência de profissionais que atuam no epicentro da COVID-19
Em artigo publicado no The New England Journal of Medicine (NEJM), no dia 21 de março, profissionais que atuam em um hospital em Bergamo — a cidade italiana considerada o epicentro do novo coronavírus — fazem um alerta. Os médicos defendem que, em uma pandemia, o atendimento centrado no paciente deve ser substituído por um atendimento centrado na comunidade. Eles afirmam: “As soluções para a Covid-19 são necessárias para toda a população, não apenas para hospitais. A catástrofe que se desenrola na rica Lombardia pode acontecer em qualquer lugar.”
Os italianos descrevem que o surto é mais do que um fenômeno de terapia intensiva, mas uma crise de saúde pública e humanitária, a qual requer cientistas sociais, epidemiologistas, especialistas em logística, psicólogos e assistentes sociais. Eles ainda indicam a necessidade de medidas ousadas para retardar a infecção e o distanciamento social é fundamental, ao reduzir a transmissão em cerca de 60% na China. Mas um pico adicional provavelmente ocorrerá quando medidas restritivas forem relaxadas para evitar um grande impacto econômico, sendo necessário um plano de longo prazo para a próxima pandemia.
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No texto intitulado “No epicentro das crises pandêmicas e humanitárias de Covid-19 na Itália: perspectivas de mudança na preparação e mitigação”, os médicos do Hospital Papa Giovanni XXIII relatam que a instituição está altamente contaminada e muito além do ponto de inflexão. Dos 900 leitos, 300 estavam ocupados por pacientes da Covid-19 e 70% dos leitos de UTI reservados para pacientes gravemente enfermos, com uma chance razoável de sobreviver. Eles afirma que a situação é sombria, pois a operação está bem abaixo do padrão normal de atendimento. “Os tempos de espera para uma cama de terapia intensiva duram horas. Pacientes mais velhos não estão sendo ressuscitados e morrem sozinhos sem cuidados paliativos adequados, enquanto a família é notificada por telefone, muitas vezes por um médico bem-intencionado, exausto e emocionalmente esgotado, sem contato prévio”, descrevem.
Calamidade
A situação ao redor também ainda aponta que a maioria dos hospitais está superlotada, quase colapsando, enquanto medicamentos, ventiladores mecânicos, oxigênio e equipamentos de proteção individual não estão disponíveis. No artigo, os profissionais contam que pacientes estavam deitados em colchões no chão, enquanto o sistema de saúde luta para oferecer serviços regulares, como pré-natal e parto, ao mesmo tempo que cemitérios estão sobrecarregados, o que criará outro problema de saúde pública. Nos hospitais, os profissionais de saúde e a equipe auxiliar estão sozinhos, tentando manter o sistema operacional. Fora dos hospitais, as comunidades são negligenciadas, os programas de vacinação estão em espera e a situação nas prisões está se tornando explosiva sem distanciamento social. “Estamos em quarentena desde 10 de março. Infelizmente, o mundo exterior parece inconsciente de que, em Bergamo, esse surto está fora de controle.”
Mudança de perspectiva
Os médicos destacam que os sistemas ocidentais de assistência à saúde foram construídos em torno do conceito de assistência centrada no paciente, mas uma epidemia requer uma mudança de perspectiva em direção a um conceito de assistência centrada na comunidade. De acordo com eles, “o que estamos aprendendo dolorosamente é que precisamos de especialistas em saúde pública e epidemias, mas esse não foi o foco dos tomadores de decisão nos níveis nacional, regional e hospitalar. Não temos experiência em condições epidêmicas, orientando-nos a adotar medidas especiais para reduzir comportamentos epidemiologicamente negativos.”
Soluções pandêmicas são necessárias para toda a população, não apenas para hospitais.
Eles ressaltam que estão aprendendo que os hospitais podem ser os principais portadores do Covid-19, pois são rapidamente povoados por pacientes infectados, facilitando a transmissão para pacientes não infectados. Os pacientes são transportados pelo sistema regional, o que também contribui para a disseminação da doença, à medida que as ambulâncias e equipes se tornam rapidamente vetores. “Os profissionais de saúde são portadores assintomáticos ou doentes sem vigilância; alguns podem morrer, incluindo jovens, o que aumenta o estresse daqueles na linha de frente.”
Atendimento domiciliar
Para os profissionais, esse desastre poderia ser evitado apenas pela implantação maciça de serviços de extensão, pois soluções pandêmicas são necessárias para toda a população, não apenas para hospitais. Isso porque o atendimento domiciliar e as clínicas móveis evitam movimentos desnecessários e liberam a pressão dos hospitais. “A oxigenoterapia precoce, oxímetros de pulso e nutrição podem ser entregues nas residências de pacientes levemente doentes e convalescentes, estabelecendo um amplo sistema de vigilância com isolamento adequado e utilizando instrumentos inovadores de telemedicina”, destacam. Uma abordagem que limitaria a hospitalização a um alvo específico de gravidade da doença, diminuindo o contágio, protegendo pacientes e profissionais de saúde e minimizando o consumo de equipamentos de proteção.