Histórias emocionantes foram compartilhadas pelos profissionais em transmissão ao vivo
Negação. Esse foi o primeiro sentimento que veio à tona para o médico mineiro Gutemberg Lavoisier Cruz, quando soube que poderia estar contaminado pelo novo coronavírus. “Fui treinado para ser médico, para tratar dos pacientes e passei a vida toda agindo assim. De repente, sou surpreendido pela sensação de morte eminente”, confessa o gestor. A fala aconteceu durante a transmissão ao vivo realizada pela Sociedade Brasileira de Medicina Hospitalar (SOBRAMH), no último dia 30 de junho. Ele e a médica Anna Butter conversaram com o presidente da entidade, André Wajner, e relataram a experiência de médico que virou paciente, em meio à pandemia.
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Para Wajner, a inciativa serviu para mostrar que médicos também correm riscos, os quais podem ser ainda maiores, devido à exposição ao contágio. “Somos iguais aos outros e essa pandemia serviu para mostrar isso”, ressaltou. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), em alguns países, o número de profissionais da saúde infectados pelo novo coronavírus representa mais de 10% de doentes. No Brasil, dados do Ministério da Saúde divulgados em 12 de junho apontaram 83.118 trabalhadores do setor acometidos pela doença, mais do que o dobro registrado no mês anterior.
Criptonita
Gutemberg é consultor do Hospital Sírio Libanês (SP) e, como gestor, jamais imaginou que ficaria doente, até mesmo por não estar na linha de frente da assistência. E, caso isso acontecesse, seria algo tranquilo, pois não fazia parte do grupo de risco. “Me senti o Super-Homem, para o alto e avante, que se viu derrotado pela criptonita”, compara. Dois dias depois de começar a ter cansaço e fraqueza, o resultado positivo para a doença foi um baque. Segundo ele, “ficava constrangido de não poder estar atuando e só percebi a gravidade da situação quando vi a tomografia, com 50% de acometimento pulmonar. Então, tudo desabou”.
Medo
Apesar de não ter a mesma gravidade do caso de Gutemberg, a supervisora de Qualidade no Hospital Barra D’Or (RJ), Anna Butter, também sentiu medo. Ela cumpriu a quarentena em casa e conta que seus sintomas foram a ausência de olfato e paladar, dor na caixa torácica e na calota craniana, bem como a falta de amplitude respiratória. “Foi um choque quando recebi o resultado positivo do exame e, mesmo com o apoio da família e dos amigos, senti medo pelo fato de saber as complicações”, afirma.
Incertezas
Mas a apreensão sentida pelos profissionais também é resultado de estarem lidando com uma doença de incertezas. Segundo Gutemberg, “antes da covid eu só tinha certezas e, de repente, me vi cheio de dúvidas”. E essa luta diária contra o abalo emocional foi o maior desafio enfrentado. “Os sintomas são debilitantes e te roubam as forças, mas não podemos deixar que roubem a esperança”, reforça. Sendo assim, os dias de internação também foram voltados à reflexão sobre ser médico e paciente, assistir e se assistido. “Ser paciente é estar vulnerável e estar vulnerável é exercitar a humildade e a maturidade, aprender a ser um melhor médico”. Anna reforça que a doença também traz muito sofrimento. “É dramático ver que não se pode receber visita e que o luto é solitário. Quando se faz a videoconferência antes de entubar o paciente, sabendo que aquilo é quase uma despedida”, conta, emocionada.
Ressignificar
Totalmente recuperada, Anna já retornou ao trabalho, mas continua mantendo todos os cuidados de segurança e de distanciamento social. Apesar da preocupação devido à prática médica, ela ressalta a importância do médico ser o paciente. “Existem momentos que é preciso assumir o papel de paciente e ser cuidado”, diz. Para Anna, essa vivência traz mais do que a troca de papéis. “É preciso ressignificar muitas coisas, valorizar os pesquisadores, os educadores, a saúde pública e o SUS, pois nós somos a sociedade e a sociedade também se reflete dentro dos hospitais”, reflete.
👉 HOSPITALISTAS Antes de iniciar os relatos, os convidados foram questionados sobre qual a relevância do médico hospitalista no enfrentamento a uma das maiores crises já vivenciadas na saúde. Entusiastas da Medicina Hospitalar, Anna e Gutemberg defenderam o modelo. “O papel transversal do hospitalista é um ponto forte exatamente no que os hospitais precisam, que é um ´reset´ no que se fazia antes. Sendo assim é necessário reconstruir um novo modelo de relacionamento. E, nesse momento, o modelo é perfeito devido à atenção ao cuidado”, afirma Anna, que também é diretora da SOBRAMH. Além disso, Gutemberg defende que a atuação do hospitalista é fundamental no processo de melhora do paciente. “Sou hospitalista e sempre serei. Vemos o paciente de forma integral e isso é essencial. É ser técnico sem deixar de lado o aspecto humano”, reforça. |